sábado, 17 de janeiro de 2015

Palco




Ensaio a dança perfeita,
decoro o script,
refaço as falas
com as entonações corretas
e enfeito o meu palco
para que acreditem
naquilo que quero.
Na verdade, levei muito tempo
imaginando, desenhando, recortando
e adequando as máscaras.
Previ algumas reações
e salpiquei-as de respostas irônicas
com frases prontas.
Espalhei pétalas no chão
para pisar macio...
Mas você chegou
E não consegui segurar
as cortinas do palco;
as máscaras se tornaram
inadequadas ...
Foi quando resolvi descer
para a platéia

e me envolver de amor...

Fotografia




A máquina fotografa;
Uns dizem
Que revela;
A máquina desvela
A nota fria
Da imagem,
A quentura da lembrança
Dos dias
Que escoam
Nas paisagens sorridentes

Clareando o nosso amor.

Ironia










Minha ironia
tem uns traços
que refletem
os picassos
da vida;
minha ironia
tão querida
é devastadora
esconde a vida
com espinhos
de cantora;
minha ironia
é vasto sereno,
incompreendida,
se torna mundo
tão pequeno
não sara feridas;
a ironia
é o meu mal
se traveste de sal
e é o meu bem
trago escondida
quando não se mostra

para ninguém.

Trapos



Temos diversas representações
desse nosso feminino contínuo:
aparentamos doçuras cruéis
e carinhosamente autoritárias;
não deixamos escapar alguns dramas;
estamos incluídas e felizes
no cerco das inscrições e das normas;
seguimos, pacientes, calendários;
refinamos nossos ódios e culpas,
reservando-nos o papel de vítimas;
mesquinhas, ocultamos sofrimentos,
agressões morais, sociais, políticas.
Mas estamos à frente, condenando
aquelas que ousam sair da rotina,
chutam seus casulos medievais,
assumem e lutam por novos amores
vendo nossos desejos condensados
na independência dessas mulheres
que se travestem de macho, de fêmea,
não têm padrões sociais de prazer,
não aceitando o que lhes é imposto.
E nós, seguimos em frente, doídas,
remendando trapos de relações,
ariando panelas, cacos famintos,
morrendo devagar, agonizando

só por modelos falidos de amor.

Começo




Estamos ai:
Sou invadida na vagarosidade
Dessa coisa solitária
Espessa como flor que me engole
Mas que ainda não sei precisar.
E como você se deixa invadir
Por esse momento?
Como se desfaz ou se constrói
A lucidez dessa terrível angústia?
Por que nos instantes raros
É tão difícil nos aturarmos?
Será que sempre haverá
A existência de alguém
Para que o nosso convívio
Se torne, ao menos, suportável?

Estamos aí:
Repentinamente em dúvidas
Com nossos fuzis apontando
Para todos os lados
Até para desviar a atenção
Sobre nossas disformes angústias.
Fazemos greves, revoluções
Para esconder ou diluir
No coletivo, o nosso sofrimento.
Disfarçamos, nos damos codinomes;
Usamos maquiagens e trocamos
Nossas roupas atrás dos espelhos;
Vestimos qualquer coisa da moda;
Adoramos a música massificada;
Expressamos aberta ou veladamente
Nossos estranhos preconceitos
E depois, com uma infinita
Cara de pau
Permitida pela nossa compaixão
Dentro dos limites instituídos
Que a forjam,
Reclamamos das nossas dores
Solitárias, covardes e marginalizadas.

Meu Sonho