terça-feira, 5 de outubro de 2010

Adaptação



















Ontem, chorei
aos poucos, implorei
quase em rastejo
num ofuscante festejo;
me senti um verme
supondo que na epiderme
não chegasse a euforia
numa simples periferia
de um beijo roubado
indo para seu pescoço desejado.

Porém, ser rastejante,
olhei, senti sua fala, meliante
e se te fustiguei feito ventania
a tua selva só fez maresia
e eu cansada, naufragada,
se até há pouco compunha
é porque ainda cega, supunha
numa fé misteriosa que se deduz
que você era sem nunca ter sido
minha única luz.

Autoria: Malu Vieira

Picasso




















Certas ideias e medos
são tais como pinturas
de Picasso:
mal cabem
nos modelos, nos cabrestos,
nas molduras.
Olhar para as telas
do pintor
refaz passos que antes
dávamos
na certeza
do caminho obrigatório
nem tão bom assim.

Porém, nos quadros
há algo maior
mais interessante
e se percebermos
que existem outros
possíveis
modos de seguir?

E seguindo nossa
intuição
incabível
em quadros e molduras
reinventamos novos Picassos
e caminhos
e mãos e pés e cores
misturando-as
em novas conquistas
para começar de novo.

meu ritmo virou
meu olho ardeu
minha garganta secou
meu olfato engolfou
um cheiro de mofo
de coisas guardadas
escondidas por uma cortina
que antes não via...

eu não merecia ouvir
que te cansei
que te envergonho
que te torno cativa
que te empolo
que te faço fome
que te deixo só
que te sufoco...

você tentou destruir
toda uma energia
sem quantidade nenhuma
sem mim
e eu, desaguando meus ais,
sequer tive chance
de ser ouvida
para depois ser dilapidada
por sua sede
de sexo
acordada para te satisfazer
como se nada mais fosse
como se em tudo o mais
a minha importância se esvanecesse...

vou te mostrar que não sou isso
porém, como filha do tempo,
não o farei de imediato.
Espero o dia fatal
para te vestir e ungir
com todos os teus trapos.

Autoria: Malu Vieira

Tamanhos




















 
A fome é grande
não tem medida
assim como a raiva
ou o trovão
que nos pega desprevenidas
nossos olhos embaçados
só enxergam sentimentos
de batom
as verdadeiras lágrimas
só aquelas que borram o rímel...

a linha do front
é de um outro tamanho
a guerra é descomunal
para aprender a morar
dentro de si mesmo
adorando o jeito vulgar
que trazemos dentro de nós.

O tamanho do amor
tem a medida dos limites
e tem épocas de chuva e recolhimento
preenchidos de vazio
com o silêncio
nascido do som gutural
de gritos e gargalhadas
espalhafatosas sem hora,
nem tempo, nem limites...

se estou só nesse pedaço
lanço mão do que posso
colorir com incertezas e passos
sem diagnóstico
sem poesia
pois que o tamanho
do meu amor
cabe num quadrado
onde tento dormir.
Autoria: Malu Vieira

Minha Lua





















Nós não temos noites
Meu satélite balança
Olhinhos para mim
Faz festa no meu coração
E morde minhas mãos
Pirraceia, matreira, rouba objetos
Que antes me pertenciam
E que noto agora, não terem
Tanto valor assim.

Nós temos dias
Dias inteiros para fazermos
Bagunças, correr atrás de pombos
Balançar a língua
Dentes caindo
Comilanças: esparadrapos, guarda chuvas,
Máquinas fotográficas, trapos, bolas,
Frutas, roupas, meias, sapatos,
Bolsas, madeiras, chão...

Lua, minha lua...
Você me contrariou
Agora não sou planeta
Apenas uma apaixonada,
Rodando ao teu redor.
Autoria: Malu Vieira

domingo, 15 de agosto de 2010

Jogos



















Eis o jogo do amor:
o dito não dito
a faca sem amolar
usada para não cortar;
o clima sem clima,
a luz sem luz;
o jogo do amor:
difuso, confuso
eunuco, garanhão
contrário, aguçado
aguado, desesperado
desperdiçado
em meio de luas
em êxtase freqüente
busca cintilante
jogo errante,
reprovado
conservador
irrelevante em conteúdo
solvente em sabedoria
apenas busca
no jogo
reconhecer o espelho
para se ver
no esmero
de novas estruturas
sem velhos vínculos
com a própria imagem
revivida
sem atrasos nem vantagens.
Autoria: Malu Vieira

Soneto das Palavras






















Palavras errantes, marginais
instalam processos desiguais,
rasgam veias novas a sangrar,
abrem sótãos a dissimular

meros desalentos pessoais,
fingindo ser consensuais;
destróem caminhos sem parar;
velhacas, tentam intimidar.

Palavras: só cortes vicinais;
destilam preces, também amores;
resumem fichas e vão falhar;

endeusam, apedrejam mortais;
recontam muitas vezes, favores
que antecedem desejos de amar.

Autoria: Malu Vieira

Vá Pensando





















Vá pensando no seu canto;
no seu mundo, as coisas são assim;
me manda embora
como se eu fosse
um zé ninguém.

Vá pensando no seu canto;
só há um lugar no mundo
dentro de si
e tudo o que sai
necessariamente não deve retornar.

Pense bem
que o seu canto
é só melodia
para me chamar
e só meus ouvidos
estão acostumados a ouvir.

Vá pensando...
Já tomei o seu canto.
Atire suas pedras
para que eu possa
recolhê-las e construir
assim, o meu, do meu jeito
para te mostrar como deve ser.

Autoria: Malu Vieira

Torcido


















Distorcer o que está torcido
pelas palavras ditas
ocultas pela franqueza
desniveladas pela fraqueza
nem sempre faladas;
são surdas e sisudas,
as palavras.

Para tanto, necessário
é que se tomem pelo pé
assim, de cabeça para baixo
em tudo que se elabora
vomitado em misturas
pouco utilizadas
para narinas sensíveis.

Roga-se o favor
de que não sejam impostas
nem impostoras, essas palavras,
que de tão ocultas pelas mixórdias
viram pragas, paradigmas imprestáveis,
tudo obsoleto, relapso
contido num camafeu perdido.

Pede-se que essas palavras
sejam parte da serenidade
não mais torcida, feito caminho sem volta
mas sim, distorcidas as atrocidades
voltem para um reino
onde não mais vagueiem torções
e que não se jure obediência
e nem se julgue súdito ingrato
aquele que desobedecer
os arbítrios,
aliás, que nem haja súditos
nem reinos.

Autoria: Malu Vieira

Decassílabas



















Seu rosto me acompanha, mero toque;
o paladar do seu beijo traduz
uma sede voraz, que é permanente;
minha pele arrepia no calor
transmitido através do seu abraço.

Seus olhos me desenham, chamariz
brilhando no escuro desses desejos
que atravessam fronteiras arrumadas,
padronizando tantos sentimentos
só para nada ficar no lugar.

Seus pelos arrepiados, molhados
me guardam nas entrelinhas dos poros
que tentam descrever o novo amor
nas formas plurais que emergem vividas
para além do gozo: o que nos completa.
Autoria: Malu Vieira

Danação da Norma





















Fotos ficam bem encaixadas
em determinadas molduras....
As regras sociais
se tornam escoras da hipocrisia
não se adequando
aos espaços pré-determinados.
Aparentemente, todos se conformam
com o que está estabelecido
e a aparência social
é de tranqüilidade.
Mas pode haver cupins
por trás das escoras
que sustentam as molduras...
Então, as normas se danam,
mas tenta-se quase que em vão
manter os modelos antigos
que tanto restringem os passos.
Para romper com isso
E saber que a vida é movimento,
basta entender que a única
obrigação a cumprir
é exatamente a de ser feliz
consigo próprio
e se preciso for,
se desencaixar e dizer
que se danem as normas.
Autoria: Malu Vieira

Acalantos





















Quero dizer
do amor que te sinto,
do acolhimento que meus braços
desejam,
do envolvimento que me toma,
do sentimento que me absorve,
da luz que me habita
desde o momento
em que você bateu na minha porta
e deixei que entrasse
na minha vida.

Quero afirmar
que meus abraços
desejam por demais
te abraçar e ao mesmo tempo,
sentir o teu cheiro,
sorver a tua essência,
lamber o teu beijo
e te acalentar
nas noites enluaradas
deitada na rede
quando você se permite
soltar o seu corpo
e abraçar também a minha alma.

Quero confirmar
que estou envolvida contigo
e que te envolvo
pelos labirintos do amor
tão bonitos
e tão suaves
e tão ternos;
estamos envolvidas
na delicadeza dos beijos,
do amor e da ternura
para construir uma vida
de carinho e compreensão.


Autoria: Malu Vieira

Fortalezas





















Adentrar estranhas fortalezas
construídas a partir
do destino que se estabelece
entre o dar e o receber
e reconhecer a beleza,
a tranqüilidade que é ter o prazer
com o olhar, com o toque,
com os cheiros…

Essas estranhas fortalezas
com seus portões
aparentemente intransponíveis
se abrem a cada vez
que se revela ao nosso amor
as laterais das nossas almas.

Autoria: Malu Vieira

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Rabiscos




















Rabisco frases sem sentido
não tenho igreja
nem remorsos
para descansar
meus ossos
ovelha parida
gata ferida
fera marcada
em cada deserto
que atravesso
travessa
crio oásis
de rompantes
e águas cristalinas.

Mas cansei de viajar
e atravessar areias
desertas e quentes
só quero mergulhar
para dentro de mim
refletindo o que sou
num sorriso seu.
Autoria: Malu Vieira

Arrumado





















Desfeito o trato
arrumo no prato
o alimento
me ponho à espreita;
a fome que aparece
é aquela panorâmica
do abraço, do olhar,
da cumplicidade
integralmente aceita.

É difícil estalar os dedos
tirar a venda
e se ver só
nenhum espelho
para mostrar a fantasia
nenhum ombro
para acolher a melancolia
e oferecer um bálsamo
para a dor.

Refeita para novos contratos
abro o desfecho
com seus possíveis
encontros e estréias
porém, envolvida
pelos laços do amor,
dessa vez
não quero mais me perder.


Autoria: Malu Vieira

terça-feira, 20 de julho de 2010

Maquiagem























Revejo o melhor ângulo,
o espelho escolhe pra mim;
espalho a base,
escondo as imperfeições,
mostro os olhos que não quero
através do rimel
e a partir das sombras
insinuo uma iluminação
que combina com o blush.
Pra finalizar,
um batom
que revelará uma boca
ansiosa para dizer a que veio
mas segue calada
deixando apenas à mostra
uma parcela de si
chamada sedução.


Autoria: Malu Vieira

Comodismo



















Me fiz outra
e essa, assim sendo,
brincou comigo;
fez a minha voz
como a sua
e me corroeu
para que eu pudesse
mostrá-la aos outros.
Depois de mostrá-la
decidi soterrar o que sou;
achei por bem
encarar a vida levianamente
e não quis mais decidir
sobre minhas escolhas.
Estava quase desistindo
quando meu peito começou a explodir:
a vida não vivida se inquietou
e não quis mais repousar
nos braços medíocres
do comodismo satisfatório.
Então, fui percebendo
que ninguém viverá
os meus prazeres
nem as minhas dores.
E cá estou.
Apresento-lhes
uma nova modalidade de mulher:
um furacão
que não deixa nada no lugar,
porém é assim
que sei desfrutar
da minha feliz liberdade
de escolher a mim mesma.
Autoria: Malu Vieira